A uns 17 anos atrás, quando minha atividade principal ainda era de músico violinista, tive a oportunidade de tocar numa pequena orquestra em um concerto direcionado para os gestores de um grande hospital, e o maestro proferia uma palestra, intercalando com as músicas que íamos executando.
A palestra fazia analogias sobre a gestão de empresas e a preparação e execução de um concerto.
Eu passei por uma extensa carreira como músico de orquestra, e como a maioria dos meus colegas na época, não tinha conexão com o mundo corporativo. Fui me aproximando dessa bolha após abrir minha própria empresa, e muito mais quando iniciei a trabalhar em outras.
Essa imersão no mundo corporativo proporcionou um olhar mais analítico do funcionamento das orquestras, justamente o movimento contrário da proposta de concertos/palestras. Imaginando um cenário fictício, era como se, durante um ensaio de orquestra, se apresentasse em frente aos músicos um CEO com o conjunto de colaboradores de sua empresa e realizasse uma palestra de gestão para os músicos.
Nos anos seguintes toquei mais algumas vezes nesses concertos/palestras, e cheguei, através de minha empresa, a organizar uma orquestra para eles realizarem uma palestra. E essas experiências continuam a gerar novas minhocas em minha cabeça, um verdadeiro growth de minhocas.
Além de idealizar essas correlações, refletir sobre o que absorvi nessas palestras (sentado no meio da orquestra), buscar conhecimentos sobre as estruturas das empresas, funções, relações e camadas de funcionários, busquei artigos na web, e pior: achei alguns.
Assim como nos concertos/palestras identifiquei problemas nas analogias, ao menos nos modelos empresariais mais contemporâneos, os artigos publicados que encontrei são ao menos sofríveis (IMHO).
Há pouca experiência em gestão de empresas por parte de músicos, e pouca ou nenhuma experiência com orquestras ou mesmo música por parte de quem se deu a liberdade de escrever sobre essas correlações.
O que mais me incomodou lendo esses artigos foi um ponto quase comum neles, e vou resumir em uma frase: “…tocar em uma orquestra requer sensibilidade…”.
E todo o texto acaba girando em torno do quanto é necessário ter sensibilidade para tocar em uma orquestra e o quanto falta sensibilidade na gestão das empresas e a diferença que faria blah blah bullshit.
Não é sobre sensibilidade, é sobre trabalho. Também é sobre sensibilidade, mas isso é construído durante todo o processo de trabalho, seguindo um roteiro bem definido. Para realizar um concerto, há todo um organograma de ensaios, hierarquia, trabalho “em casa” (estudo individual das partituras). Cada parte disso tudo tem processo, muito conhecimento e experiência prévia.
Além da organização e processos para a realização dos concertos, orquestras precisam de gestão empresarial também. As palestras e artigos geralmente não abordam isso, e esse lado pode conter aspectos bastante diversos e interessantes também.
Existem orquestras de gestão pública (orquestras sinfônicas), mantidas pelo estado, orquestras privadas (filarmônicas), mantidas por instituições privadas ou fundações, orquestras mistas, e orquestras temporárias formadas para ocasiões específicas – todas elas com características interessantes a serem exploradas.
Decidi escrever alguns artigos sobre essa relação orquestra/empresa, do ponto de vista de quem tocou (violino) em orquestras de vários tamanhos, em várias posições, e hoje trabalha em empresas de tecnologia, passou por camadas diferentes e posições de liderança.
Mas depois de todo esse introitus, ainda vale a analogia entre gestão de empresa e concertos de orquestras? Sim, claro! É uma troca de experiências realmente de valor – para músicos e gestores. E de bônus: todo o concerto é um evento mágico!
No final das contas, assistir a um concerto, ao vivo, é sempre um momento de certa forma sobrenatural, em geral poucas pessoas viveram ou vivem essa experiência, e é isso que torna interessante isso tudo.